As possibilidades do real
…e sempre uma impressão
abrupta
de batimentos de asas alcançando
em frémitos de azul
o infinito
Carlos Nogueira Fino
Pela segunda vez este ano, o artista plástico Trindade Vieira traz a público uma nova exposição de trabalhos inéditos, dando continuidade à sua intensa actividade criativa, como nos tem vindo a habituar ao longo dos anos que completam a sua carreira artística. A instalação de pintura e escultura Bocados de Céu e de Terra pode ser entendida como um subtil exercício poético em torno das várias narrativas que sobre viagens se podem fazer. Concebida especificamente para um propósito -as comemorações do aniversário do Aeroporto Internacional da Madeira -a presente exposição marca um decisivo afastamento da linguagem, dos signos e do elemento gerador da criação plástica deste artista: a bananeira, a planta a partir da qual muita da produção deste artista se debruçou.
Deste modo, Bocados de Céu e de Terra pretende apresentar uma outra faceta criativa e Trindade Vieira: em primeiro lugar, dada a especificidade temática da mostra, em segundo lugar, face às circunstâncias da concepção da exposição.
O itinerário de um viajante é simples, completa-se entre o ponto de partida e o de chegada, no entanto, quantos sentimentos, por vezes contraditórios podem acorrer e pensemos uma vez mais no privilégio que nos é dado por voar. A consciência que se forma face às imagens sucessivas da terra vistas do céu a bordo de um avião, redimensionam-nos vezes e vezes sem conta para a nossa pequenina dimensão humana e a impossibilidade de abarcar a realidade na sua plena e grandiosa expressão. Suscita-nos também a nostalgia do que para trás se deixa ou, em alternativa, a alegria de reencontrar um espaço conhecido e familiar. É precisamente este o contexto que o artista recorre para a criação das imagens em mostra. No entanto, somar uma imagem com outra não é produzir um sentimento único e definitivo, pode mesmo consistir em rasgar uma fenda no mundo visível, abrindo-o às suas múltiplas significações e vivências, celebrando o imponderável dos seus sentidos. É nesta premissa que reside uma boa pedagogia para lidar com o princípio heterocósmico das imagens dos nossos dias. O seu princípio pode resumir-se numa ideia simples: uma imagem pode ser tanto uma janela aberta sobre o mundo como uma velatura que contraria as certezas mais imediatas. Dito de outro modo, é quase sempre o que está mais próximo –e neste caso, o espaço insular -que mais trabalho exige ao olhar. Talvez seja esta a maior especificidade do trabalho de Trindade Vieira: transformar o espaço, o quotidiano e o inusitado, elevando-os ao estatuto de obra de arte, redimensionando a sua importância, e por consequência, o acto de olhar.
A presente mostra não será disso excepção: estando os insulares familiarizados com a necessidade de viajar, repare-se como o artista transforma, numa operação simbiótica aquilo que se vê da janela de um avião, com o imaginário e o memorial individual, associando assim à dimensão plástica da criação artística. É deste modo que o mesmo propõe um conjunto de trabalhos que se debruçam sobre as vistas aéreas a partir do ponto de vista do viajante, bem como a ideia de centro –da plataforma que recebe e deixa partir as aeronaves -representando o registo visual da passagem dos aviões no imenso céu azul. Se por um lado se abandonam os referentes anteriores que enformaram a pintura deste artista mantém-se, contudo, a incontornável referência da Ilha que serve ao propósito como cenário de fundo à narrativa que se estabelece. Também a técnica empregue apresenta a sua continuidade num percurso evolutivo de sentido de descoberta, cabendo aqui o princípio latente e hedónico do jogo.
Como complemento da mostra, o artista decide então incluir um conjunto de trabalhos extra-exposição, apresentando um discurso de continuidade e proporcionando uma outra forma de revisitação do seu trabalho.
Cabe agora esperar que as imagens ganhem a dimensão sonora de um voo rasante por entre as vertentes e as encostas insulares prenhes de vida, e dirijam-se, rumo ao vasto e
etéreo azul espelhado na imensidão da planície líquida que separa os continentes, encontrando junto daqueles que as observam, à chegada ou à partida, um refúgio fértil de contemplação e reconhecimento.
abrupta
de batimentos de asas alcançando
em frémitos de azul
o infinito
Carlos Nogueira Fino
Pela segunda vez este ano, o artista plástico Trindade Vieira traz a público uma nova exposição de trabalhos inéditos, dando continuidade à sua intensa actividade criativa, como nos tem vindo a habituar ao longo dos anos que completam a sua carreira artística. A instalação de pintura e escultura Bocados de Céu e de Terra pode ser entendida como um subtil exercício poético em torno das várias narrativas que sobre viagens se podem fazer. Concebida especificamente para um propósito -as comemorações do aniversário do Aeroporto Internacional da Madeira -a presente exposição marca um decisivo afastamento da linguagem, dos signos e do elemento gerador da criação plástica deste artista: a bananeira, a planta a partir da qual muita da produção deste artista se debruçou.
Deste modo, Bocados de Céu e de Terra pretende apresentar uma outra faceta criativa e Trindade Vieira: em primeiro lugar, dada a especificidade temática da mostra, em segundo lugar, face às circunstâncias da concepção da exposição.
O itinerário de um viajante é simples, completa-se entre o ponto de partida e o de chegada, no entanto, quantos sentimentos, por vezes contraditórios podem acorrer e pensemos uma vez mais no privilégio que nos é dado por voar. A consciência que se forma face às imagens sucessivas da terra vistas do céu a bordo de um avião, redimensionam-nos vezes e vezes sem conta para a nossa pequenina dimensão humana e a impossibilidade de abarcar a realidade na sua plena e grandiosa expressão. Suscita-nos também a nostalgia do que para trás se deixa ou, em alternativa, a alegria de reencontrar um espaço conhecido e familiar. É precisamente este o contexto que o artista recorre para a criação das imagens em mostra. No entanto, somar uma imagem com outra não é produzir um sentimento único e definitivo, pode mesmo consistir em rasgar uma fenda no mundo visível, abrindo-o às suas múltiplas significações e vivências, celebrando o imponderável dos seus sentidos. É nesta premissa que reside uma boa pedagogia para lidar com o princípio heterocósmico das imagens dos nossos dias. O seu princípio pode resumir-se numa ideia simples: uma imagem pode ser tanto uma janela aberta sobre o mundo como uma velatura que contraria as certezas mais imediatas. Dito de outro modo, é quase sempre o que está mais próximo –e neste caso, o espaço insular -que mais trabalho exige ao olhar. Talvez seja esta a maior especificidade do trabalho de Trindade Vieira: transformar o espaço, o quotidiano e o inusitado, elevando-os ao estatuto de obra de arte, redimensionando a sua importância, e por consequência, o acto de olhar.
A presente mostra não será disso excepção: estando os insulares familiarizados com a necessidade de viajar, repare-se como o artista transforma, numa operação simbiótica aquilo que se vê da janela de um avião, com o imaginário e o memorial individual, associando assim à dimensão plástica da criação artística. É deste modo que o mesmo propõe um conjunto de trabalhos que se debruçam sobre as vistas aéreas a partir do ponto de vista do viajante, bem como a ideia de centro –da plataforma que recebe e deixa partir as aeronaves -representando o registo visual da passagem dos aviões no imenso céu azul. Se por um lado se abandonam os referentes anteriores que enformaram a pintura deste artista mantém-se, contudo, a incontornável referência da Ilha que serve ao propósito como cenário de fundo à narrativa que se estabelece. Também a técnica empregue apresenta a sua continuidade num percurso evolutivo de sentido de descoberta, cabendo aqui o princípio latente e hedónico do jogo.
Como complemento da mostra, o artista decide então incluir um conjunto de trabalhos extra-exposição, apresentando um discurso de continuidade e proporcionando uma outra forma de revisitação do seu trabalho.
Cabe agora esperar que as imagens ganhem a dimensão sonora de um voo rasante por entre as vertentes e as encostas insulares prenhes de vida, e dirijam-se, rumo ao vasto e
etéreo azul espelhado na imensidão da planície líquida que separa os continentes, encontrando junto daqueles que as observam, à chegada ou à partida, um refúgio fértil de contemplação e reconhecimento.
Sérgio Benedito
For the second time this year, the plastic artist Trindade Vieira brings to public a new exhibition of unknown works that carries a continuation to the intense creativity he has been showing through all the years that completes his artistic career. The painting and sculpture “Bocados de Ceú e de Terra” can be understood like a subtle poetic exercise around the different narratives made around the world of travel. Conceived specifically for just one purpose – the celebrations of the Madeira International Airport anniversary – this exhibition brings a new era to the definitive deviationism of the language, signs and from the generating element that gave to this artist, his plastic creativity: the banana tree, the plant from which much of the production of this artist leaned so far.Hence, “Bocados de Céu e de Terra” pretends to introduce another creative side of Trindade Vieira: first of all, because of specificity of the thematic, secondly, regarding the circumstances of the exhibition concept.The route of a traveller is simple, it is completed between the starting point and the end, however, how many feelings, sometimes conflicting, come to pass and let us think once more what a privileged we are granted to fly. The awareness, formed from the several earth views that we have when we are on an airplane on the sky, is resized too many times to our little human dimension and to our impossibility of embracing the reality on its vast and grand expression. It comes to our mind the nostalgia of what is left behind or, on alternative, the happiness of meeting again a space that is familiar and well-known to us. It is precisely this context that the artist appeals, in order to create the images shown on this exhibition. However, adding an image to another is not the unique and definitive way to produce a feeling, it can consist on tearing apart a breach in the visible world and opening it to its multiple meanings and living paths, celebrating the imponderable of its feelings. It’s on this premises that lives a good pedagogy to deal with the heterocosmic principle of the images of our days. The principle can be resumed on a simple idea: an image can be either an open window to the world or a transparent layer that is opposed to the most immediate certainties. Saying by other words, it is always what is right next to us – and on this case, the insular space – that demands more work to our eyes. Maybe this is the biggest specificity of the work of Trindade Vieira: transform the space, the quotidian and the unusual, elevating them to the status of work of art, resizing their importance, and subsequently, the way of looking.The present exhibition will not be an exception to all of this: being the islanders used to the need of travelling, we can observe how the artist transforms, on a symbiotic operation, what he sees from an airplane window with his own imaginary and memorial, associating all to the plastic dimension of the artistic creation. Thus, the artist proposes a set of works that lays on the air views seen from the traveller’s point of view, as well as the idea of the centre – from the platform that receives and departs the airplanes – representing the visual register of the airplane transit on the immense blue sky. If, on one hand, the elements that characterize the painting of this artist are abandoned, on the other hand, it is kept the reference to the island as a background to the established narrative. The technique used, also presents the artist continuation on an evolutionary route of discoveries, having here the latent and hedonic principle of the game.As a complement to this exhibit, the artist includes a set of works extra-exposition that presents continuity and proportionates another possibility of revisiting his work.Now, stands the time to wait that this images achieve a euphonious dimension of a low level flight trough the slopes and hillsides of the island, and heads towards the vast and ethereal blue reflected on the immensity of the liquid plain that separates the continents, finding on those who observe them, at arrival or at departure, a shelter full of contemplation and acknowledgment.
Sérgio Benedito
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